– seu pai morreu,
telefonaram te avisando
não te vi recebendo a Notícia
mas Imagino
seu corpo derretendo
sobrando só duas bolas
soltas
com um preto no meio que é a sua íris
Petrificada.
todo dia
imagino o que seria de mim se o meu Pai
morresse,
se alguém me ligasse
contando o que já sei
mas espero que seja num futuro tão Longe
lá pra depois
do último
país
do mundo.
acontece que o futuro
Chega
e quando chega
cai no colo que ainda é nosso.
seu pai morreu jovem, 60 e
poucos,
o tempo passando é físico,
os cabelos brancos do meu namorado me assustam.
a morte
tem que ficar distante pra ninguém se matar,
o relógio guardando
o poder da data, mais um domingo passou.
e outro.
e nove. quem inaugurou a morte
na sua família foi seu pai desbravador,
homem-coragem que primeiro passou pelo estado de sexo, depois
o embrião que venceu.
depois vivo dentro da barriga crescendo,
depois vivo saindo da vagina elástica,
depois vivo na vida, andando
pintando, estudando,
pegando taxi, tendo você.
depois ele passou pelo estado de um pouco antes de morrer, os segundos antes, até que
finalmente
pela Morte em si
e o nada,
quando alguém
morre
a esperança de que deus existe morre junto.
seu pai
passou por tudo antes de você, ele te conta disso em detalhes
através do corpo
agora amarelo.
você teve que comprar caixão,
escolher uma roupa, foi terno?, pagar as despesas do velório
desde a gasolina pra chegar no velório
até o padre, no meio
as lágrimas, seu peito rasgando, aquela sensação de não Acredito ontem mesmo
ele estava vivo,
todos os mortos de hoje
ontem
respiravam.
também uma risada que brota tímida em você
por lembrar do quanto teu pai era maluco,
nesse exato
instante
no quarto que ele pintava
bate
um sol.
no dia daquela viagem pra praia teve briga, você voltou antes
e odiou seu pai por semanas.
passou quando vocês almoçaram juntos,
morrer desperta memórias
que nos fazem olhar pra elas com mais
carinho,
de que adianta brigar ou ser triste agora que Acabou?
você lidou com a morte de um jeito que fez o amor saltar.
o amor
virou protagonista da perda, o amor pela vida do seu pai.
naquela dia que conversamos,
e se você soubesse que seu pai tinha só mais 1 mês de vida?
o que você faria
antes de
enlouquecer?
pegaria um carro, um voo
pra Roma?,
pra casa da sua vó? comeria um bolo de fubá com eles
implorando tempo
ao Tempo?
sabe,
eu acho que você faria tudo igual.
seu jeito de ver a morte
me fez perder o medo e meu pai
eu vejo
só de fim de semana.
ou da minha
memória
quando ele me agride dizendo
que merda você ser assim com essa cabeça que não entra dinheiro,
e também aquele sorriso pequeno que ele tem.
pra rir escancarado
só se for criança.
ou 1 velho
tão velho que o medo nele já virou
algo inofensivo tanto quanto um lápis,
apesar que um caderno escrito a lápis quando cai no rio
não borra
nem some
as letras.
vou escrever a lápis
que aprendi alguma coisa com seu pai morto e você olhando pra isso,
andando de bicicleta com a sua esposa no domingo, tristíssimo mas também Alegre
e seguindo,
é como uma música.