no retrato amarelo pelos anos minha mãe vestia um jeans.
a cor do tempo passando é
amarela, por isso não fico bem de blusa amarela, tenho medo de envelhecer mais que de morrer. prefiro azul,
morrer é azul.
o jeans
da minha mãe
era curto, ela estava em cima do muro da casa da minha
vó em
tijolos que eu não conheci, só ouço dizer que é a casa da Narcisa, a vizinha que alugou
pro meu vô ou era o nome da rua, Narcisa, não sei
tem coisas que eu não me lembro
mesmo tentando muito.
no muro baixo minha mãe sentou pra sair na foto com o rosto fazendo um charme que eu nunca vi
jogando o cabelo pra trás,
longos
cabelos
morenos, no máximo 18 anos ela tinha.
fiquei olhando tanto aquela foto mesmo depois que guardei de volta no álbum, olhei da minha cabeça,
a foto grudou na testa por dentro, um imã.
a minha mãe não morreu mas morreu daquele jeito que era, ela passou pelo corredor me perguntando:
– o que você tá fazendo aí?
como se soubesse
o que eu estava fazendo e não quisesse
que eu visse o estrago do tempo na gente porque aquilo de mudar tanto era muito
assustador. não vai acontecer comigo, é o que todo mundo pensa.
passa os anos.
Acontece.
tô vendo a mulher que você era, eu queria dizer e não disse.
ao invés, falei:
– não tô fazendo nada, mãe. é domingo.
a expressão dura que habitava seu rosto de hoje me deu vontade de parar de ouvir música pela vida inteira, minha mãe sempre borrava
a maquiagem
pelo choro fácil de dor e de sono mas não no retrato. lá
nem parecia que a minha mãe seria capaz de brigar com alguém pra depois chorar. na foto ela era 1 Ilha
deserta com seios quietos
nunca antes
mamados, naquele frescor de ser jovem no
osso a
pele
passada
a ferro,
me olhei no espelho pra ver se encontrava 1 pingo da velha mãe em mim: não, nada.
aquela mulher no muro
mudou pruma rua que derreteu.
quero saber o nome da última pessoa que a viu tão flor, a gente vai mudando aos poucos
o resquício existe
não acaba tudo de uma vez. preciso guardar nos olhos aquela candura da foto
vou dormir eternamente sem morrer, vou dormir fingindo acreditando que durmo igual o menino ontem no banco roncando
de mentira tão real.
vou me trancar num vestido justo pra não me escapar esse
vento, essa sede de
chuva, esse riso leve que mostra um pouco do dente mas não tudo e depois
todos os dentes, é um começo de sorriso
e por ser começo é bonito
porque traz
esperança.
minha mãe esqueceu como sorrir assim. ela diz que a culpa é da asma,
o tempo também
é culpado mas o nome
da culpa maior é A Perda e Jeito que a gente lida com ela
um nome comprido, de fato, preciso anotar
pra não esquecer.